27/03/2014

Foto: Leonardo Contursi

Ato reuniu homenageados, familiares e vereadores no Plenário Otávio Rocha
Foto: Ederson Nunes

O ex-prefeito Sereno Chaise (d) recebeu diploma de Cleon Guatimozin

Plenário

Câmara restitui mandatos cassados pela ditadura militar

Em ato simbólico realizado na sessão ordinária desta quinta-feira (27/3), a Câmara Municipal de Porto Alegre restituiu os mandatos de seis vereadores, de um prefeito e de um vice-prefeito da Capital cassados pelo regime militar, instalado no Brasil de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985. Os mandatos foram restituídos a Sereno Chaise (prefeito), de 86 anos, Ajadil de Lemos (vice, já falecido) e aos vereadores Alberto Schroeter, Hamilton Chaves, Dilamar Machado, Marcos Klassmann e Glênio Peres - os últimos quatro já falecidos - e Índio Brum Vargas, de 86 anos. “Hoje é um dia de resgate histórico”, afirmou o presidente da Casa, Professor Garcia (PMDB).

Sereno Chaise recebeu o diploma de restituição de seu mandato de prefeito das mãos dos vereadores Pedro Ruas (PSOL) e Alberto Kopittke (PT), acompanhados do ex-vereador Cleon Guatimozin, presidente da Câmara à época da Anistia, em 1979. Já o ex-vereador Índio Vargas recebeu a láurea entregue por sua esposa, Marlene, e o ex-vereador Alberto Schroeter teve o documento entregue pela filha Valéria.

Coube aos seguintes familiares dos homenageados já falecidos receberem a honraria em nome dos políticos cassados pela ditadura: os irmãos Alceu, Anderson e André Machado e a esposa Lea Machado, em nome de Dilamar Machado; o filho Ricardo Chaves, o Kadão, em nome de Hamilton Chaves; Maria Isabel da Silva Klassmann (mãe) e a filha Julia, em nome de Marcos Klassmann; a esposa Lícia Peres, em nome de Glênio Peres; e Eloí Flores, em nome da família de Ajadil de Lemos.
 
Após a entrega dos diplomas, Garcia leu a Resolução da Mesa Diretora da Câmara Municipal que determina a restituição simbólica dos mandatos de prefeito, vice-prefeito e vereadores eleitos pelo voto popular e cassados pelo regime ditatorial após o golpe de Estado de 1964.

Golpe à democracia

“Não existe nenhuma maneira de compensar o que essas pessoas sofreram. No cinquentenário do Golpe de 64, estamos marcando a posição de Porto Alegre: o povo os escolheu para cumprir esses mandatos, e a ditadura os cassou. Nossa cidade reconhece que os mandatos eram legítimos e Porto Alegre devolve esses mandatos”, declarou um dos proponentes da homenagem, vereador Pedro Ruas (PSOL).
 
Em seu discurso na tribuna, Ruas falou que a ditadura foi um golpe na democracia do país. “Houve uma ditadura cruel e sanguinária, e queremos que o mundo saiba disso.” Também destacou a importância do ato de restituição. “Temos obrigação de dizer o que a ditadura fez: ela matou, torturou, cassou, exilou e impôs o que quis. Esta é a descomemoração do golpe”, ressaltou. "O ato é uma oportunidade de relembrar o que estas pessoas e o povo sofreram nas patas da ditadura militar.”

Medo, prisão e tortura

Ressaltando que o ato de restituição remetia os homenageados e seus familiares a momentos difíceis vividos por eles durante a ditadura, "quando sofreram pelo medo, prisão e tortura", o vereador Alberto Kopittke (PT), também proponente da homenagem, observou que a solenidade representava uma oportunidade para lembrar daqueles que lutaram pela redemocratização do país "e tombaram pelo caminho". Destacou que o ato possuía dois sentidos principais: prestar homenagem a cada um dos brasileiros "que dedicaram a sua vida para que hoje tenhamos a liberdade de falar o que pensamos", bem como cumprir com o dever de resgatar uma parte da história do país para que as novas gerações tenham oportunidade de saber o que aconteceu após o Golpe de 1964. "Promovemos esse ato não porque queiramos retaliações. É preciso que tenhamos coragem de ver quão maus podemos ser ao se torturar irmãos brasileiros, jovens que lutavam pela liberdade."

Ao concluir seu pronunciamento, Kopittke lembrou declaração feita pelo então vereador Glênio Peres durante seu discurso de posse, em 31 de janeiro de 1977, que ficou conhecido pelo nome de Discurso na Terra do Silêncio e foi utilizado pelo regime ditatorial da época como motivação para decretar a cassação de Peres pelo Ato Institucional nº 5.
 
O início do Golpe

Entre os homenageados presentes, Sereno Chaise, prefeito de Porto Alegre em 1964, que teve seu mandato cassado na época, saudou a oportunidade e seus velhos amigos presentes na solenidade. “Sempre tratei de olhar para frente. Tenho convicção que, em 64, quem perdeu não fomos nós, quem perdeu foi a cidade com a cassação desse conjunto de homens públicos de melhor qualidade.” Sereno abordou o período ditatorial, falando de seus mandatos e passagens da história de Porto Alegre. Seu primeiro período como vereador foi de 1952 a 1955, sete anos após sua chegada na cidade. Foi amigo do então presidente João Goulart e, até hoje, é defensor do trabalhismo no país.

Sobre a tomada de poder dos militares, Sereno disse que o movimento iniciou-se em 1954, “quando os generais decidiram que o presidente Getúlio Vargas entraria em licença e não voltaria mais”. Contou sobre o movimento da Legalidade no Estado e o comando de Leonel Brizola. “Foi uma tese simples que empolgou a alma do Rio Grande”, afirmou. O homenageado também falou sobre a “volta expressiva” dos militares em 64, que, somada à inflação, fez com que os movimentos contrários ao golpe “não tivessem o mesmo apoio popular de 61. “A verdade é que ninguém ganhou com tudo isso. Acho que esses fatos da história devem ser lembrados, mas no sentido de alertar, para que nunca mais ocorra no nosso país um período como esse”, concluiu.

Elói Flores, filho de Ajadil de Lemos, ex-vice-prefeito cassado em 1964, foi ao plenário representando o pai e leu uma carta de seu irmão, Adail Ivan de Lemos, sobre a homenagem e o período ditatorial. Na carta, Ivan de Lemos afirmou que “nada mais justo do que reempossar os trabalhistas” e contou histórias de seu pai na prisão, depois de ter o mandato cassado. Segundo o filho, no primeiro ano de reclusão os militares contaram a Ajadil que não “teriam achado infrações cometidas por ele” e que poderia sair. O homenageado recusou a oferta e só foi libertado junto com todos os seus colegas. “Só saíram da prisão todos juntos; só os bravos de alma conseguem resistir e superar”, escreveu Ivan. 

Texto: Thamiriz Amado (estagiária de Jornalismo)
          Juliana Mastrascusa (estagiária de Jornalismo)
          Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)
Edição: Claudete Barcellos (reg. prof. 6481)

Leia mais:
Ditadura cassou os direitos de oito políticos municipais Com Fotos
Comunicações Temáticas trata dos crimes da ditadura Com Fotos


Ouça: Prefeito cassado pelo golpe diz que não se pode reescrever a história
          Íntegra da cerimônia
     
  Câmara Municipal de Porto Alegre.                                                                   desenvolvimento: Assessoria de Informática-CMPA e PROCEMPA