19/05/2015

Foto: Guilherme Almeida

Sala ficou lotada durante a reunião da comissão
Foto: Guilherme Almeida

Soletti, da EPTC, salientou que o espírito da lei não é de exclusão

Comissões

Cosmam quer prorrogar prazo de restrição à circulação de catadores

Em 17 de março, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) discutiu os desdobramentos da Lei 10.531, que instituiu o Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal (VTAs) e de Veículos de Tração Humana (VTHs). Na manhã desta terça-feira (19/5), a situação de catadores de material reciclável, frente à chamada “Lei das Carroças”, voltou à pauta, em nova reunião realizada na Câmara Municipal de Porto Alegre. A legislação, de 10 de setembro de 2008, fixou o prazo de oito anos para que seja proibida, em definitivo, a circulação de VTAs e de VTHs no trânsito da Capital.

Representando a Secretaria Municipal de Governança Local (SMGL), a gerente-executiva do programa Todos Somos Porto Alegre, Denise Souza Costa, apresentou um balanço que contabiliza 1.305 famílias cadastradas, num total de 2.059 pessoas. A Prefeitura também pagou indenizações a 165 catadores, por 138 carroças, 108 cavalos e 13 carrinhos. “Nem todos querem fazer as ações de reinserção produtiva que temos no programa. Mesmo assim, temos 780 que já participaram das qualificações recebendo uma bolsa-auxílio”, informou.

Denise disse ainda que a próxima etapa é dar início à busca ativa, já que no cadastro inicial pode ter havido troca de endereço. “Oferecemos diversas atividades para diferentes níveis de escolaridades, inclusive para analfabetos. Até março, 400 pessoas já estavam em novas atividades produtivas e não utilizam mais os VTAs ou VTHs.”

Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rogério Fleischmann, existe uma ação, ainda pendente de sentença, contra a retirada dos catadores das ruas. "A atividade de catação não vai parar. A escolha por atuar na catação é uma decisão pessoal e deve ser respeitada. Esse processo de mudança tem que ser muito calmo. Deve levar em conta a opção pessoal de cada um.”

Para Fleischmann, o prazo estabelecido na lei precisa ser prorrogado. “Não sou contra o programa, que tem muito boa vontade e tem dado certo nas Unidades de Triagem, mas temos que ter alguns cuidados. Vejo trabalhadores em fábricas que enfrentam piores condições de trabalho do que os catadores.”

O diretor de Operações da Empresa Pública do Transporte e Circulação (EPTC), Marcelo Soletti, salientou que a lei não é de exclusão. “Não é este o espírito da lei, que é de inclusão. Quando a gente fala em prazos, é porque faremos abordagens informativas. Sabemos da nobreza da atividade dos catadores, mas na época da aprovação da lei se pensou em dar melhores condições de trabalho. Nossa intenção é pegar os contatos e ajudar na busca ativa dessas pessoas”, afirmou.

Críticas

Denis Luiz Gomes Alves, do Instituto Integração do Areal da Baronesa, reclamou que o programa não atinge a todos. “A própria Denise disse que quem não tem a titulação da terra não pode ser beneficiado. Sendo assim, não seremos incluídos. Vamos ter que seguir fazendo a reciclagem de qualquer jeito, já que não temos a documentação exigida pela Prefeitura. Além de nós, existem outras comunidades que estão na mesma situação.”

O presidente da Associação Comunitária do Centro Histórico, Paulo Guarnieri, disse que conversou com 150 pessoas na região que sobrevivem catando material reciclável. “Só uma foi incluída no programa e agora não atua mais com catação, pois está trabalhando em Guaíba.” Ele estima que, somente em núcleos da área central (Jardim Planetário, Sossego, Areal da Baronesa, Barão do Amazonas), existam mais de 300 catadores fora do cadastro da Prefeitura. “Se não tiveram acesso aos direitos que a lei lhes concede, não se pode cobrar dessas pessoas os deveres que a lei impõe.”

“Querem proibir o nosso pessoal de ir buscar o material na rua, buscar o sustento das nossas famílias. Isso é discriminação. Vamos lutar contra isso. Vamos mostrar o número de papeleiros que vivem da catação”, afirmou Emerson Alex dos Santos, morador da Vila Santa Terezinha. João Roberto Fraga, da Associação de Reciclagem Ecológica da Vila dos Papeleiros (Arevipa), ampliou o coro. “Não vou ficar à mercê de patrão. Tenho profissão e me orgulho de ser papeleiro.”

“Não precisamos procurar outros empregos para os catadores. Este problema se resolve com o fim do preconceito que as classes média e alta têm do lixo. As mesmas que mais produzem lixo”, criticou o irmão marista Antonio Cecchim, que há 30 anos trabalha com catadores na Associação Caminho das Águas – EcoProfetas.

Da mesma entidade, Kaiser Diaz Rômulo lembrou que catadores trabalham em liberdade, por conta e risco próprios. “Faço uma sugestão: a prefeitura deve propor o pagamento de um salário mínimo, agregando à insalubridade que é paga ao pessoal do DMLU. Daí passamos a conversar sobre algo concreto. Porque de real, até agora, não temos nem isso. Temos apenas boas intenções, mas nada de concreto”.

Rômulo também pediu a prorrogação do prazo de restrição determinado na lei por, no mínimo, três anos. “Precisamos de tempo para dialogar com os afetados pela legislação. Outra necessidade é revogar essa resolução da EPTC, que antecipou o prazo para junho de 2015.”

Vereadores

Jussara Cony (PCdoB) ressaltou a importância de manter o direito de escolha de cada um. “Quem mais entende de política de resíduos sólidos é quem trabalha diretamente com isso, que são os catadores. Até que ponto essa lei foi ao encontro dos interesses deles?”, questionou. “Leis se mudam, pois a vida em sociedade é dinâmica.”

Dr. Thiago Duarte (PDT) sugeriu a realização de uma reunião com o prefeito José Fortunati ou o vice Sebastião Melo. “A lei é de autoria do então vereador Sebastião Melo. No fundo, são eles que vão acabar decidindo esse processo. Acho que todos os carrinheiros têm que se fazer presentes para participar.”

O presidente da Cosmam, Marcelo Sgarbossa (PT), confirmou que uma audiência com o prefeito ou o vice será requisitada. “Se a proposta for fazer uma oferta para quem quiser deixar a catação, isso é positivo, pois alguns podem querer sair. Mas quando se fala em obrigação, estabelecendo um prazo para o fim dessa atividade, daí cria-se um problema. E, por enquanto, é isso que existe”, comentou.

Sgarbossa também pediu sensibilidade à prefeitura para que o prazo seja prorrogado. Aos catadores, sugeriu que mantenham a mobilização registrada na Cosmam. “Lembro que, na época da votação do projeto de lei, os catadores foram vencidos. Então, se não houver sensibilidade do Executivo, não conseguiremos aprovar qualquer mudança aqui na Câmara”, avaliou. O vereador Paulo Brum (PTB) também acompanhou parte da reunião.


Texto: Maurício Macedo (reg. prof. 9532)
Edição: Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)


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