23/06/2009

Foto: Pedro Revillion

Lacombe citou exemplo da Alemanha
Foto: Pedro Revillion

Englert (d) disse ser impossível fiscalizar financiamento público

Reforma política

Debatedores concordam que financiamento público é inviável

O ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RS (TRE-RS), desembargador Alfredo Englert, e o consultor legislativo Marcelo Barroso Lacombe, da Câmara dos Deputados, concordam que a proposta de criação de um sistema de financiamento público não impedirá que continuem ocorrendo doações privadas irregulares nas campanhas eleitorais. Juntamente com o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, eles debateram o financiamento das campanhas eleitorais, nesta segunda-feira (22/6) à noite, no plenário Otávio Rocha da Cãmara Municipal, durante o primeiro dos cinco painéis que integram o Ciclo de Debates sobre a Reforma Política.

Os três debatedores foram unânimes em considerar inviável a proposta e defenderam que o financiamento público de campanhas eleitorais não impedirá a prática do chamado "caixa dois" (doações irregulares) pelos partidos e candidatos. Promovido pela Câmara Municipal, Escola do Legislativo Julieta Battistioli e Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, o evento tem continuidade na próxima quinta-feira (25/6), às 19 horas, quando se discutirá o tema Lista Aberta X Lista Fechada. A mediação do debate de segunda-feira ficou por conta do jornalista Armando Burd.

O ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RS (TRE-RS), desembargador Alfredo Englert, destacou a necessidade de o Brasil priorizar uma reforma política. No entanto, reconheceu as dificuldades de implementá-la em função da complexidade do assunto. Englert manifestou sua discordância em relação à proposta de financiamento público de campanhas eleitorais, ressaltando que ela não irá terminar com os problemas de arrecadações irregulares. "Os políticos diziam que a proposta seria a solução para todas as mazelas. Mas a tese de financiamento público de campanha, no atual sistema, é completamente irrealizável, impossível de fiscalizar", disse o desembargador.

Transparência

Englert se mostrou cético também quanto ao argumento utilizado pelos defensores da proposta de que o financiamento público possa dar mais transparência às campanhas eleitorais e duvidou que as doações ilícitas terminem a partir do financiamento público de campanha. "É preciso que se saiba quais pessoas apoiam os candidatos. No atual sistema eleitoral, não vejo nenhum impedimento a que haja incentivos fiscais. Mas entendo que ele não pode ser concedido se houver financiamento público.", observou.

Para o desembargador, é difícil discutir financiamento público isoladamente, pois ele deveria estar casado com a votação em lista fechada. "Lista aberta com financiamento público não vai resolver a situação, e financiamento público será mais um imposto para um país que não aguenta pagar mais impostos." O desembargador lembrou que sempre haverá interesses privados nas eleições, mesmo que as campanhas sejam financiadas com recursos públicos. "Não vejo problemas em haver doações privadas para diversos partidos, desde que se saiba quem doou."

Corrupção

Marcelo Barroso Lacombe, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, também se mostrou cético quanto à proposta de financiamento público das campanhas eleitorais. Ele admitiu que o financiamento privado gera desigualdade de acesso para os candidatos, no processo eleitoral e que raramente há uma distribuição equitatitva de recursos entre os partidos políticos. "Leis que implementam o financiamento público de campanha devem ser encarados como acordos de conveniência. Não apresentam nenhum instrumento legal contra a corrupção.", disse Lacombe.

Ele lembrou que na Alemanha, por exemplo, os recursos públicos chegam a representar 31% dos fundos partidários. No entanto, observou, mesmo implantando um sistema de financiamento público nos anos 90 - com recursos do Estado cobrindo até 50% do financiamentos de campanha -, a França sofreu várias denúncias de corrupção eleitoral. Da  mesma forma, citou o consultor, o México adotou um sistema de financiamento de campanhas eleitorais quase totalmente público a partir do final dos anos 90. "No entanto, o país tem níveis de corrupção altíssimos, comparados aos da China."

Segundo Lacombe, em 2008, R$ 135 milhões foram repassados aos partidos políticos no Brasil. Observando que as subvenções indiretas também se convertem em instrumentos de financiamento de campanha em períodos eleitorais, o consultor legislativo alertou que os cofres públicos já arcam, atualmente, com a renúncia fiscal aos veículos de comunicação que divulgam propaganda eleitoral. "O financiamento público apresenta limites mais claros de gastos de campanha, mas não significa que eles serão obedecidos e que será coibido o uso de recursos públicos para atividades eleitorais de forma não transparente."

incentivo à fraude

Lacombe acrescentou que, com financiamento público, os partidos podem se tornar menos competitivos e menos interessados em conquistar novos eleitores. "A legislação que permita o financiamento público de campanha pode ser um incentivo à fraude, fazendo com que os partidos superestimem gastos para auferir recursos públicos maiores. Haverá um aumento de gastos de campanha, pois os partidos sabem previamente que contam com recursos maiores."

Para Marcelo Lacombe, a grande simpatia demonstrada pela classe política em relação à proposta de financiamento público de campanha, no Brasil, se explica, em grande parte, pela diminuição crescente do número de pessoas filiadas aos partidos políticos brasileiros nos últimos anos. "Os dados indicam que 90% dos eleitores, na última eleição (2008), não pertenciam a nenhum partido político."

Benedito Tadeu Cesar, coordenador do Programa de Pós-Graduação Ciência Política da UFRGS - uma das entidades promotoras do evento - destacou que a democracia brasileira ainda é muito jovem, tendo o país pouco mais de 30 anos de vivência democrática. "Há necessidade de ajustes sobre os políticos e sobre o poder. Estamos caminhando para o aprimoramento político-institucional no Brasil. Os ajustes e as reformas terão de ser contínuos, proporcionando maior possibilidade de controle pela sociedade."

Carlos Scomazzon (reg. prof. 7400)

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